A credibilidade e o panem et circenses
Vinícius
Montgomery de Miranda
Os problemas econômicos atingiam o
Império Romano com desemprego e inflação, quando o imperador Otávio Augusto (27
a.C. – 14 d.C.) criou a política do pão e circo. Essa política consistia em
promover lutas sangrentas entre gladiadores no Coliseu e distribuir pão
gratuitamente à população na entrada do estádio. Com essa política, a
insatisfação da população com os problemas econômicos era amenizada. Contudo, ela
cobrou um preço muito elevado: em curto espaço de tempo, os impostos foram
elevados e a inflação e o desemprego pioraram.
No Brasil, durante a década de 1980,
diversos planos econômicos tentaram derrotar a elevada inflação que destruía
qualquer possibilidade de planejamento e, portanto, de crescimento econômico.
Os planos fracassaram, pois, além de medidas insuficientes para controlar a elevação
dos preços, os governos não tinham credibilidade. A manipulação de índices
inflacionários e dos números da contabilidade nacional gerava nos agentes
econômicos a certeza de que a aparente tranquilidade era equivalente à calma
que antecede a uma tempestade.
A credibilidade foi reconquistada a
duras penas com o Plano Real. A Lei de Responsabilidade Fiscal produziu maior
controle nos gastos públicos e transparência. A firmeza na condução da política
econômica dos ministros Pedro Malan (governo FHC) e Henrique Meirelles (governo
Lula) fez o mundo voltar a acreditar no Brasil. Os investimentos dispararam, empregos
foram criados, a moeda se valorizou, e o Brasil teve a sensação de que
finalmente viraria um país rico.
Infelizmente esse cenário amplamente
favorável começou a se modificar com as crises internacionais e a substituição
de Meirelles por Guido Mantega como ministro da Fazenda. Para amenizar o efeito
dessas crises, o governo Lula ampliou os gastos. Entraram em cena o aumento do
salário mínimo acima da inflação, a renúncia fiscal (redução de tributos como o
IPI), a ampliação dos gastos sociais (bolsa família, vale-gás, bolsa-escola,
etc.). O governo fez muito esforço para que o país ganhasse o direito de sediar
a Copa do Mundo e as Olimpíadas. A população inebriada pelos ganhos salariais e
pelos jogos que se aproximam, elevava a popularidade dos governantes às
alturas. Enquanto isso, silenciosamente, o resultado das contas do governo se
deteriorava.
2012 foi o ano em que pela primeira vez
se percebeu que a política do pão e circo cobraria um preço. A falta de
investimentos e o elevado custo de produção no país fez a indústria nacional
perder ainda mais terreno para os produtos asiáticos. O ano terminou com uma
redução de 34,8% no superávit da Balança Comercial (o pior resultado em 10
anos). O golpe de misericórdia na credibilidade da política econômica veio nos
últimos dias do ano, quando o governo resolveu manipular o resultado de suas
contas de forma a manter o superávit primário. Isso é equivalente a travar o
ponteiro de um velocímetro para dizer que o limite de velocidade foi
respeitado. Se o governo manipula o resultado de suas contas ao invés de cortar
gastos, que garantia os agentes econômicos terão de que não manipulará também
os índices de inflação e outros números econômicos? A Argentina serve de
exemplo.
Perdeu-se a credibilidade. Deus queira
que isso não signifique uma volta ao passado de inflação galopante e paralisia
econômica. Pode ser que a enorme tempestade que se forma no horizonte se
dissipe, mas seus ventos começam a chegar, cada vez mais intensos. Por enquanto
a população, muito bem alimentada, se distrai com o espetáculo.
Publicado no Jornal O Sul de Minas de 19/01/13.
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