O mal das Obras Inacabadas
Vinícius Montgomery de
Miranda
Um dos maiores desafios da gestão de uma
organização é antecipar-se aos acontecimentos futuros, sem descuidar das
atividades operacionais. Lidar com o novo, reagir ao inesperado e adaptar-se às
novas condições ambientais são atributos inerentes aos líderes organizacionais
que superam momentos adversos à frente de empresas ou governos, conduzindo-os à
normalidade. Para isso torna-se necessário conhecer as potencialidades e
deficiências da organização e os desafios e oportunidades do ambiente. Os recursos
disponíveis precisam ser utilizados da forma mais inteligente possível a fim de
alcançar os melhores resultados e atender às necessidades de clientes e
cidadãos. Trata-se de uma exigência fundamental dado o atual ambiente organizacional
de mudanças constantes, de complexidade crescente e de um alto grau de
interdependência entre agentes econômicos e sociais. A falta de planejamento
nesse ambiente diminui drasticamente as possibilidades de sucesso da
organização. No caso dos governos, a falta de planejamento frequentemente
resulta em desperdício do dinheiro público e serviços de pior qualidade.
Infelizmente a realidade é bem distante
do que seria ideal. Os agentes políticos e seus partidos, na ânsia de alcançar
o poder, cada vez mais se esmeram em produzir campanhas políticas com requintes
de marketing; a ponto de conseguirem eleger “um poste”. O plano de governo tornou-se completamente
desnecessário. As decisões de governo tornam-se cada vez mais ideológicas e
distantes da racionalidade econômica. Na lógica política vale muito mais dizer
que não vendemos empresas a estrangeiros a implantar a meritocracia que exija
resultados duradouros. Isso explica um espetáculo triste que se repete a cada
dois anos: a corrida desesperada para inaugurar obras, mesmo que estejam
inacabadas. Na campanha política de 2010, a transposição do Rio São Francisco,
que deveria ter sido concluída em 2011, foi uma das maiores vitrines eleitorais
do então presidente-operário e de sua candidata-gestora. Três anos passaram, R$
8,2 bilhões foram investidos e nenhuma gota de água chegou ao sertão nordestino,
que enfrenta a pior seca da história. O concreto usado no leito do canal,
construído para transportar o precioso líquido que salvaria vidas, se deteriora.
A montanha de recursos empregados no projeto, escoa pelo ralo da incompetência
administrativa.
Um levantamento feito pelo IPEA –
Instituto de Pesquisa Econômica e Aplicada – com base em dados de 1995 e 2011,
mostra que de fato a lógica eleitoral se sobrepõe ao que seria razoável do
ponto de vista da gestão. O estudo mostra um expressivo aumento do investimento
público em obras em anos pares (anos de eleição) e contenção de gastos nos anos
subsequentes. Ou seja, a preocupação com o cronograma e o orçamento das obras
simplesmente inexiste. Para o professor Marco Antonio Teixeira, do departamento
de Gestão Pública da FGV – Fundação Getúlio Vargas, há um defeito no sistema
político brasileiro. Ele permite a reeleição de chefes do Executivo, sem a
necessidade de desincompatibilização do cargo. Assim, misturam-se o papel do
Executivo, responsável maior pela gestão das cidades, dos estados e da nação, e
o papel do candidato, interessado em reeleger-se ou eleger seu sucessor.
Trata-se da receita perfeita para desperdiçar os recursos duramente arrancados
de cidadãos e de empresas através de uma das maiores cargas tributárias do
planeta.
Para não correr o risco de ver suas
principais realizações serem creditadas aos sucessores, a maioria dos políticos,
espertamente, prefere inaugurar obras inacabadas. Isso para não citar os
desvios de verbas, superfaturamentos e outros problemas comuns a obras de
grande porte. A falta de conhecimento em economia por parte do cidadão comum, a
pobreza dos debates eleitorais, que muitas vezes viram espetáculos de ataques
pessoais, e a grande mídia que prefere focar o entretenimento e questões
comportamentais a debater os grandes problemas gerenciais do país, contribuem
para perpetuar o status quo.
Figuram entre as mais importantes obras
inacabadas, muitas vezes objeto de marketing político de candidatos ao
Planalto, a ferrovia norte-sul que já recebeu R$ 7 bilhões e cuja construção
começou em 1987; a duplicação da BR101 entre Santa Catarina e o Rio Grande do
Sul que sugou R$ 2,4 bilhões e deveria ter sido entregue em 2004; o ferroanel
de São Paulo; o acesso aos portos; o saneamento básico das grandes cidades,
entre muitas outras obras. Sem uma infraestrutura adequada não há a mínima
condição de o país desenvolver todo o seu potencial e competir em condição de
igualdade com seus pares no cenário global. Passou da hora de reformar a
legislação eleitoral para impedir que o cidadão seja enganado pelo marketing
político eleitoreiro e de exigir que a gestão pública seja modernizada para
seguir as avançadas técnicas de planejamento e organização tão competentemente
empregada por empresas privadas brasileiras mundo afora.