Alguns leitores me perguntam o que eu penso sobre a tal “refundação” do PSDB. Acho esse assunto chato por uma penca de motivos. O principal deles é que, salvo engano, foi o senador eleito Aécio Neves (MG) quem tocou primeiro no assunto. Quem achar a tal refundação necessária estará com Aécio e com o PSDB de Minas; quem não se encantar com a idéia, com Serra e com o PSDB de São Paulo… De novo isso? Por quanto mais tempo essa falsa clivagem irá fazer mal ao próprio partido e à consolidação de uma oposição consistente ao lulo-petismo — que é bem mais amplo do que o PT?
Eu não sei o que é “refundação”. Como ninguém a definiu até hoje, não sou o único. A mim me parece uma dessas expressões mágicas que, na ambição de ser muita coisa, acaba sendo coisa nenhuma. Aécio já havia lançado, ainda pré-candidato, lá atrás, a tese do “pós-lulismo”. Do modo como o PT conduziu a campanha, centrada inteiramente na figura de Lula, um candidato que se apresentasse como “pós-lulista” seria logo transformado em “antilulista”. Em vez dos 43 milhões, de votos, talvez tivesse 33 milhões…
O que é refundar? Lembro que a palavra foi muito empregada por Tarso Genro logo depois da crise do mensalão. Ele falava em “refundar” o PT. Não que, e percebemos isso depois, a sua moralidade pessoal e sua ética política fossem muito distintas das de seu grupo. É que ele queria aproveitar aquele processo para se livrar de alguns adversários internos. Em vez de “refundação”, que poderia virar uma variante da expiação, o PT fez a coisa certa — do seu exclusivíssimo ponto de vista— e partiu para o ataque. As conseqüências são conhecidas.
Eu estou entre aqueles que acreditam que o PSDB precisa, sim, se orgulhar de seu passado — tem fugido dele nas campanhas eleitorais e na luta parlamentar —, descobrir o eleitor pagador de impostos, uma massa muito mais ampla do que parece, e falar para o eleitorado real, o que está nas ruas, ausente dos manuais “progressistas” de sociologia. Em breve, vocês lerão um texto meu mais alentado a respeito, com mais fôlego.
Isso é “refundação”? Aqui e ali vejo tucanos a afirmar que o partido precisa estar mais presente na sociedade”, voltando a ter capilaridade nos movimentos sociais. Voltando? Já teve algum dia esse tipo de inserção que, no fundo, é o modelo petista de partido? O que os tucanos pretendem? Disputar sindicatos com o PT? Vai perder. Disputar movimentos sociais com o PT? Vai perder. Disputar o “coração progressista” da galera com o PT? Vai perder.
Quem deu duas eleições presidenciais ao PSDB foi o Plano Real, não a tal “inserção na sociedade”. Se, por inserção, for entendido aparelhamento da sociedade pelo partido, podem esquecer: esse não é o PSDB; tal espaço já está devidamente ocupado pelo PT e por esquerdistas menos influentes. Um partido de oposição ao lulo-petismo, qualquer que seja ele, logrará sucesso se aprender a ocupar o espaço que, na democracia brasileira, está vago: o do conservadorismo. Foi a mudança segura, “conservadora”, do Plano Real que levou os tucanos ao poder.
O PT se considera tão por cima da carne seca que se dá ao luxo de nomear a oposição que considera qualificada. Na semana passada, Tarso Genro, agora governador eleito do Rio Grande do Sul — aquele que queria “refundar” o PT e foi tratorado por José Dirceu — afirmou que uma oposição liderada por Aécio seria mais positiva para o governo Dilma e para o Brasil do que uma liderada por José Serra porque o mineiro seria “mais centrista” do que o paulista, que estaria muito “à direita”. Chegou mesmo a flertar com a possibilidade de apoiar Aécio para a presidência do Senado. Na prática, Genro voltou a exercitar o esporte de certas correntes políticas no Brasil: atacar São Paulo.
Segundo Genro, Serra está mais “à direita” do que Aécio, daí porque, entende ele, este é mais qualificado para liderar a oposição do que aquele — oposição que o ex-ministro da Justiça avalia ter sido muito dura, violenta mesmo!!! Como Taro Genro não conseguiu “refundar” o PT, ele agora tenta ajudar a “refundar” o PSDB, com o interesse que um petista de alto coturno tem no fotalecimento da oposição, naturalmente…
Partidos perdem e ganham eleições nas democracias consolidadas. Ninguém fica se refundando a cada vitória ou derrota. O PT, por exemplo, não aceitava composição com partido “burguês” em 1989 — recusou o apoio de Ulysses Guimarães contra Fernando Collor naquele ano… Chegou à situação de hoje, quando faz alianças as mais amplas possíveis, sem “refundar” coisa nenhuma: continua, acredite se quiser, a se dizer um partido socialista e interessado em construir uma alternativa universal ao… capitalismo.
O PSDB não precisa de “refundação” para valorizar sua história, descobrir o brasileiro pagador de impostos e atentar para o fato de que amplas camadas do eleitorado — a provável maioria — cultiva valores conservadores. Serra, Aécio ou J. Pinto Fernandes (o “que ainda não havia entrado na história”, no poema de Drummond) deve comandar esse processo? Sei lá eu. O que sei é que Tarso Genro não chega a ser a pessoa mais indicada para escolher o líder da oposição — e Aécio não tem nada com isso; não creio que a admiração devotada do petista lhe possa ser especialmente útil, diga-se.
Noves fora, uma coisa é certa: um partido de oposição costuma fazer… oposição! E sem pedir desculpas por isso, como se não fosse esse o papel que lhe delegou a democracia.
Por Reinaldo Azevedo
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