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segunda-feira, 30 de agosto de 2010

Entrevista de Hausmann na Folha de SP de 30/08/2010

ENTREVISTA RICARDO HAUSMANN




Sucessor não terá a mesma sorte de Lula, diz economista

PROFESSOR DE HARVARD DIZ QUE, APESAR DO CAPITAL POLÍTICO, LULA NÃO FOI CAPAZ DE FAZER REFORMAS SIGNIFICATIVAS COMO AS DE FHC



Scott Eells - 28.jan.09/Bloomberg News



Ricardo Hausmann, diretor do Centro para Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard



ÉRICA FRAGA

DE SÃO PAULO



"A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte."

Com esse comentário, em entrevista à Folha, o economista Ricardo Hausmann, diretor do Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade Harvard e um dos mais respeitados especialistas em teoria do desenvolvimento econômico, encerrou uma série de críticas ao governo Lula.

Em 2008, ele escreveu o estudo "In search of the chains that hold Brazil back" ("Em busca das correntes que freiam o Brasil"), afirmando que a política de expansão fiscal dos anos recentes, alavancada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), é insustentável.

E, segundo ele, pode ter o mesmo efeito "desastroso" para a economia que a política externa de Lula teve para a diplomacia.









FOLHA - Houve avanços desde que o sr. escreveu sobre as barreiras ao crescimento no Brasil em 2008?

RICARDO HAUSMANN - Talvez você se lembre que [no estudo] eu era otimista sobre muitos aspectos estruturais do Brasil. O Brasil tem um setor privado muito forte, tem muito potencial de crescimento do investimento em muitas áreas promissoras.

Mas, nos anos de boom antes da crise de 2008, o Brasil era um dos países que cresciam às menores taxas na América Latina.

Minha avaliação era a de que isso se devia a uma taxa baixa de poupança doméstica, que exigia taxas de juros ridiculamente altas para evitar que a economia tivesse um aquecimento excessivo.

Aí veio a crise e o governo respondeu com políticas anticíclicas. Aumentou significativamente a oferta de crédito via BNDES e Banco do Brasil em um momento em que havia uma parada cardíaca financeira.

Diria que, de forma geral, a crise foi bem administrada. Mas o principal problema com muitos países, e o Brasil é um exemplo, é que, quando as coisas começam a parecer bem, eles se tornam arrogantes. Passam a acreditar num mundo de fantasia.



O que o sr. quer dizer com mundo de fantasia?

Só porque o Brasil teve por um trimestre uma taxa de crescimento acima de 7%, o Brasil agora é a nova China e o Lula é um gênio das finanças, e todos os problemas anteriores não existem mais porque o Brasil é um país diferente.

Há toda uma narrativa que tem sido criada por conta de alguns bons trimestres no Brasil que pode levar a políticas macroeconômicas muito inconvenientes. Essa narrativa é particularmente conveniente na época de eleições.

A primeira coisa que já está acontecendo é que a Selic [taxa de juros básica da economia] está subindo. Se você quisesse que a Selic aumentasse menos, a ideia seria compensar com políticas fiscais e de empréstimo pelo setor público mais estritas.

Porque, de certa forma, o Brasil é um país esquizofrênico. Você tem uma política fiscal em que o BNDES tem o pé no acelerador e o Banco Central tem o pé no freio.

Essas combinações são particularmente perigosas porque deixam a Selic muito alta em um período em que as taxas de juros globais estão muito baixas.

Isso leva os investidores a pegar dinheiro emprestado em dólares, em ienes ou em euros para colocar dinheiro no Brasil, o que gera uma forte apreciação da taxa de juros e a possibilidade de desindustrialização.



Alguns defensores da atuação recente do BNDES citam países da Ásia que atingiram altas taxas de crescimento sustentado por meio de políticas industriais. O que o sr. acha desse paralelo?

Não tenho problemas com políticas que complementam o setor financeiro, viabilizando a disponibilidade de crédito para investimentos em áreas difíceis da economia.

Não sou, de forma alguma, crítico em relação à contribuição potencial do BNDES para o desenvolvimento do país. Mas é uma organização que foi desenvolvida na época da inflação alta para proteger a economia das taxas de juros reais muito altas.

A inflação não é mais um problema no Brasil.

Seria possível que o BNDES mantivesse o foco de sua política em empréstimos para investimentos municipais, investimentos de longo prazo, apoiando pequenas e médias empresas, mas a uma taxa de juros que refletisse a Selic e não a uma taxa de juros que é muito inferior à Selic, que cria a distorção de gerar demanda excessiva pelos fundos que o BNDES tem de gerenciar.



O sr. vê o crescente deficit em conta-corrente do Brasil, em tempos recentes, como um problema?

A deterioração do deficit em conta-corrente indica que a expansão do gasto no Brasil é mais rápida do que a expansão da produção.

O efeito disso é apreciar a taxa de câmbio, desestimulando as atividades exportadoras, para liberar recursos produtivos para atender a esse boom temporário do consumo. Todas as indicações são de que as condições fiscais e a política financeira do setor público são excessivamente expansionistas. Isso vai causar prejuízo para as perspectivas de crescimento de longo prazo do Brasil.





A economia brasileira ainda é bastante fechada ao comércio exterior. Isso limita o crescimento de longo prazo?

Acho que o Brasil tem os produtos com os quais poderia ter uma presença muito maior no comércio internacional. Vocês são gigantes em agricultura, em mineração. Têm uma presença marcante na produção de aeronaves. Há uma atividade industrial vasta que poderia gerar uma presença muito maior. Mas a administração macro no Brasil tem sempre conspirado contra o potencial de longo prazo.



E isso continua acontecendo?

Na minha opinião, está piorando. Quando o Lula foi eleito, em 2002, houve uma crise econômica e ele foi muito cuidadoso ao dar confiança ao setor privado.

Agora, eles começaram a pensar que sabem mais e estão menos dispostos a serem cuidadosos. Estão se tornando mais ideológicos.

Do ponto de vista econômico, as políticas são insustentáveis como as adotadas na diplomacia.

Agora que o Brasil é grande, pode ir para a cama com o Ahmadinejad [Mahmoud Ahmadinejad, presidente do Irã] no Irã ou hospedar o Zelaya [Manuel Zelaya, ex-presidente de Honduras deposto em junho de 2009] na sua embaixada em Honduras etc.

É uma atitude de que agora o país é independente, um poder diferente, e, portanto, pode confrontar o senso comum. Esse tipo de arrogância na política externa tem sido desastrosa.

E esse tipo de arrogância tem o perigo de ser igualmente desastrosa para a administração macroeconômica.



As pesquisas de intenção de voto mostram grandes chances de vitória da candidata do presidente Lula. O sr. acha que isso levará a uma continuação dessas políticas que o sr. critica?

Todo mundo sabe que o presidente Lula tem sido superpopular e ele construiu um capital político enorme. Mas esse capital político enorme não se traduziu em nenhuma reforma significativa durante seu segundo mandato [2007-2010].

Ele não tem nada a mostrar em termos de ter resolvido problemas antigos relacionados à baixa taxa de poupança, ao sistema de previdência, à infraestrutura, a ter uma estrutura tributária mais normal e funcional.

Apesar do seu enorme capital político, ele não foi capaz de fazer nenhuma reforma significativa como as feitas pelo antecessor dele.

E, recentemente, ele tem se movido na direção contrária. A grande sorte do presidente Lula foi ter tido um ótimo antecessor [FHC]. Mas o próximo presidente do Brasil não terá a mesma sorte.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

O custo oculto de Lula

O custo oculto do governo Lula


Maílson da Nóbrega. Revista Veja 11/08/2010.



Aos olhos da opinião pública, Lula é um grande presidente. Sob democracia, nenhum desfrutou de tanta popularidade. É difícil encontrar no mundo quem o iguale nesse aspecto. A avaliação pode ser outra, todavia, se considerada a herança que lega aos sucessores.



Lula poderia ter sido um desastre se seguisse o ideário econômico equivocado do seu partido, que ele próprio professava. Integraria o rol dos populistas latino-americanos que infelicitaram seus países: Perón, Allende e Chávez, para citar os mais nefastos.



Por sorte dele – e do Brasil -, virou presidente quando já existiam os incentivos a gestão macroeconômica responsável: democracia, liberdade de imprensa, estabilidade, intolerância à inflação, previsibilidade da política econômica e maior inserção do país na economia mundial.



Lula chegou ao poder livre de boa parte de sua visão anticapitalista. Politicamente amadurecido e dotado de extraordinária intuição, renunciou às obtusas idéias da plataforma eleitoral de 2001, que o PT lançou em Olinda (“A ruptura necessária”).



Sua corajosa decisão de manter a política econômica associou-se a uma capacidade de comunicação extraordinária e a uma desfaçatez sem limites. Convenceu as massas de que tudo foi obra dele e desacreditou antecessores.



Lula não enfrentou as crises amargadas pelos que governaram entre 1974 e 2002. Justamente a partir de 2003, a economia mundial viveria uma fase áurea. A China passaria a demandar as commodities nas quais o Brasil é competitivo. Quando veio a crise de 2008, o país estava preparado.



Ocorre que o desenvolvimento é um processo permanente, e não o efeito temporário de esforços precedentes. Há que avançar sempre na construção de instituições e em outras ações para melhorar o ambiente que leva à inovação e aos ganhos de produtividade. São medidas complexas, que demoram a frutificar.



Na perspectiva de futuro, Lula é um fracasso. A situação fiscal piorou. O consumo do governo passou de 4,2% para 8,8% do PIB, enquanto os investimentos e inversões financeiras subiram apenas de 0,4% para 1,6% do PIB, e mesmo assim por causa basicamente do suprimento de recursos ao BNDES para subsidiar grupos empresariais. A carga tributária passou de 32% para 36% do PIB e sua qualidade se deteriorou.



O regime de exploração do pré-sal pode mudar por razões ideológicas. O custo será menor eficiência no seu aproveitamento, elevação do potencial de corrupção e pulverização dos recursos entre estados e municípios. A estatização foi retomada. A ressurreição da Telebrás, sem sentido, pode causar mais desperdícios.



A burocracia piorou. Surgiram milhares de normas confusas e conflitantes, de agências reguladoras entregues a militantes e afilhados políticos, nem sempre com as qualificações necessárias. A ANVISA primou em obrar regras para consumidores supostamente imbecis.



O deficiente sistema de transportes virou obstáculo à operação da logística, o que reduz a competitividade. O PAC serve mais para comícios eleitorais do que como saída para os problemas de infraestrutura: representa mero 0,6% do PIB, ou pouco mais de 10% das necessidades.



Ficaram na retórica as reformas para elevar o potencial de crescimento, particularmente a tributária, a trabalhista e a previdenciária. Dada a incapacidade de liderar uma solução para a bagunça do ICMS, os exportadores acumulam mais de 30 bilhões de reais de créditos tributários.



Na política externa, a ideologia e a busca de um protagonismo delirante prevaleceram sobre as tradições de competência do Itamaraty. O governo apoiou notórios ditadores, reeditou fracassadas iniciativas do governo Geisel e colheu derrotas em indicações para organizações internacionais.



No campo ético, a herança nada tem de edificante. A corrupção alcançou níveis inéditos, como no esquema do “mensalão”. Na deliberada transgressão da Lei Eleitoral, Lula parece dizer que o crime compensa, lamentável atitude de um chefe de governo popular, que deveria dar bons exemplos. Essas e outras ações constituem um custo oculto, de ordem moral, social e econômica. O grande público não o perceberá. Bons estudos poderão, entretanto, registrar a autoria dos respectivos erros e omissões: Lula.