O Brasil e o ciclo de autossabotagem
Vinícius Montgomery de
Miranda
O psicanalista norte-americano Stanley
Rosner, co-autor do livro O ciclo da Autossabotagem, afirma que todos os seres
humanos têm padrões de repetição, que embora irracionais, ocorrem sem grandes
consequências. Entretanto, existem repetições que podem levar à destruição da
própria vida, além de comprometer a vida alheia. Essa psicopatologia pode
ocorrer no relacionamento entre pais e filhos, entre cônjuges e no ambiente de
trabalho. O livro de Rosner relata histórias de pacientes que tiveram parte
importante de suas vidas desperdiçadas pela insistência em agir em ciclos
negativos que sabotam toda possibilidade de alcançar a felicidade. O grande
problema de quem está preso no ciclo da autossabotagem é não perceber a
realidade. Nesse caso, o indivíduo prefere acreditar que a insatisfação sentida
ao não conseguir realizar seus planos é fruto de fatores externos. Essa negação
da realidade o faz seguir em frente, sempre sofrendo.
O Brasil e muitos países da América
Latina parecem presos em um ciclo de autossabotagem. Não conseguem transformar suas
imensas riquezas naturais em qualidade de vida para a sua população. Preferem
culpar a “exploração” dos Estados Unidos ou dos países ricos a enfrentar suas
mazelas com coragem. Senão, como explicar que um país campeão de produtividade
no campo, deixe de exportar seus produtos por falta de infraestrutura adequada?
Por que as invasões de lavouras produtivas praticadas pelo MST recebem apoio,
se essas lavouras geram empregos, renda e exportações para o país? Por que,
apesar do futebol vistoso praticado nos gramados país afora, os campeonatos mais
ricos estão na Europa, para onde os talentos brasileiros se mudam ainda muito
jovens? Por que apesar do discurso de que é preciso valorizar a educação, as
práticas de avaliação do desempenho do professor e meritocracia na definição
dos seus salários, consagradas em todo mundo, é veementemente repelidas pelos
sindicatos da categoria? As respostas para essas e muitas outras contradições
presenciadas no dia a dia do brasileiro encontram explicação no ciclo de
autossabotagem.
Na transposição do Rio São Francisco, por
exemplo, desde 2007 foram investidos R$ 8,2 bilhões, sem que a obra fosse
concluída. Há erros no projeto e na execução da obra. Parte do leito do canal
construído já apresenta rachaduras que exigirão mais investimentos para a
correção do problema. Na Ferrovia Norte-Sul, outra importante obra de
infraestrutura que seria capaz de baratear a exportação de soja e outras
commodities, foram investidos, desde 1988, R$ 5,1 bilhões. Se concluída, essa
ferrovia tornaria os produtos agrícolas do Brasil imbatíveis na competição
internacional. Porém, 26 anos após o início da obra, a ferrovia não transportou
sequer um carregamento de soja, mas já apresenta problemas nos trilhos e nos
taludes em função da ação do tempo. Novamente há erros de projeto e execução. Esses
são apenas dois exemplos em meio a centenas de obras inacabadas, mal
projetadas, ou que apresentam desvio de recursos e superfaturamento. O Brasil
parece ter prazer em desperdiçar oportunidades de se tornar um país
desenvolvido.
Na economia, o ciclo virtuoso que
aumenta a produção e gera riqueza depende do aumento de produtividade e dos
investimentos. Sem uma infraestrutura adequada de produção e de logística para
escoar produtos com rapidez e baixo custo, não é possível aumentar a
produtividade. Então, os custos se elevam e os lucros são corroídos pelo
desperdício de tempo e de energia. As obras de infraestrutura que poderiam
aumentar a produtividade da economia do país não saem do papel ou são mal
geridas. Há que se perguntar então, como os demais países conseguiram resolver
essa questão? A China, por exemplo, país de dimensões continentais comparáveis
ao Brasil, apostou na parceria com a iniciativa privada para modernizar sua
infraestrutura. Aqui o governo insiste em acreditar em um modelo econômico
ultrapassado no qual é o Estado quem deve controlar o funcionamento da
economia. Nem a China comunista acredita mais nesse modelo.
Há no Brasil uma iniciativa privada com
capacidade técnica e avidez por fazer investimentos nos setores de ferrovia,
rodovia, portos, aeroportos, saneamento básico e todo tipo de infraestrutura. Se
esses investimentos ocorressem, o país daria um salto gigantesco em direção a
realização de seu potencial. Milhares de novos empregos seriam gerados, o
conhecimento técnico da construção de grandes obras seria transmitido para as
futuras gerações, o custo logístico do país seria reduzido e o produto
brasileiro se tornaria mais competitivo disparando investimentos em outros
setores da economia. O aumento da produção contribuiria ainda para elevar a
oferta de produtos e serviços, corrigindo o desequilíbrio atual entre a oferta
e a demanda agregada. Os preços se tornariam mais acessíveis, reduzindo a
inflação. A população de baixa renda seria a maior beneficiada com o aumento de
seu poder de compra e as inúmeras oportunidades de trabalho nas obras de
infraestrutura. Daí sim, haveria uma distribuição de renda mais equilibrada e
menor dependência da assistência estatal.
As soluções para os grandes problemas
da economia do país, portanto, existem. Há competência suficiente para
transformar o Brasil no país dos nossos sonhos. É necessário, porém, quebrar
esse ciclo de autossabotagem. Para tanto, é preciso reconhecer que a cultura do
jeitinho, do improviso e da malandragem, ao contrário do senso comum, não é uma
vantagem. Existe uma ciência econômica e uma ciência administrativa que
precisam ser valorizadas e colocadas em prática, mesmo que isso contrarie
interesses. A história mundial ensina que não se constrói uma grande
civilização cerceando a liberdade de pensamento e de criação dos seus cidadãos,
em benefício do controle estatal exercido por governantes iluminados, que
apresentem solução para todos os males do país. Nos países onde a qualidade de
vida é superior, as liberdades individuais são respeitadas. A ciência e o saber
são valorizados. Os governantes são democraticamente escolhidos e sua autoridade
tem limites impostos pela lei. Nesse caso, não se admite governantes
despreparados e com supostos poderes messiânicos para resolver os problemas da
sociedade. A história contará quantas gerações o Brasil ainda levará para
atingir o estágio de desenvolvimento que merece. Quem viver, verá.