A arrecadação do governo federal superou 1 trilhão de reais em 2012, a despeito do PIB fraco. A letargia na economia evidencia o desgaste da fórmula baseada em tributação elevada e pouco incentivo aos investimentos
Giuliano Guandalini e Marcelo Sakate
O total arrecadado em impostos pelo governo federal superou 1 trilhão de reais em 2012, um novo recorde. Se forem somados os tributos estaduais e municipais, os brasileiros pagaram um total de 1,5 trilhão de reais para sustentar a máquina pública, ou 3 milhões de reais a cada minuto. A arrecadação histórica e trilionária ocorreu mesmo em um ambiente de fraco crescimento econômico e também depois das chamadas desonerações tributárias – a diminuição parcial de alguns impostos, como o IPI cobrado na venda de carros. O PIB pouco avança, os investimentos produtivos diminuem, as rodovias e portos seguem congestionados, mas a carga de impostos não arrefece. A arrecadação aumenta por um simples motivo: os gastos do governo sobem, a cada ano, um pouco mais.
Ao 1 trilhão de reais em impostos federais corresponde 1 trilhão de reais em despesas. São gastos com o custeio da máquina pública, os salários de servidores, as aposentadorias e benefícios previdenciários, o Bolsa Família, os investimentos em educação e saúde, as Forças Armadas e os juros da dívida. Na verdade, existe um déficit nas contas governamentais. Os gastos são superiores ao total arrecadado. A diferença é financiada com a venda de títulos públicos, que se somam ao total da dívida federal. A análise das contas públicas revela dois desequilíbrios essenciais. Primeiro: o governo, apesar de tributar muito, não consegue viver dentro de seus meios. Segundo: a maior parte dos recursos é consumida por despesas que nada contribuem para o aumento da capacidade produtiva, como salários, aposentadorias, pensões e juros da dívida. Apenas uma pequena fração do orçamento vai para os gastos verdadeiramente produtivos, como os investimentos em infraestrutura e educação – e, não raro, mesmo esses são desperdiçados no ralo da corrupção e da baixa eficiência administrativa. Um levantamento da contas abertas, ONG especializada no acompanhamento das finanças federais, dá a medida da ineficiência pública. Em 2012, o governo tinha autorização para investir 115 bilhões de reais, mas o valor efetivamente desembolsado foi inferior a 50 bilhões de reais. “Existem diversos nós que travam o investimento público, como a lentidão no licenciamento ambiental e a burocracia na aprovação das licitações”, afirma Gil Castello Branco, diretor da contasabertas. “Além disso, as obras são paralisadas constantemente por causa de corrupção e de projetos mal elaborados. O estado brasileiro não está preparado para fazer o investimento deslanchar”.
Sem investimentos, o PIB também não deslancha. Em 2012, as estimativas apontam para um crescimento ínfimo, de apenas 1% (o número oficial só será divulgado pelo IBGE em março). Sem investimentos, são os preços que deslancham. A inflação, embora não tenha fugido do controle, segue renitentemente acima do centro da meta oficial, de 4,5%. O gargalo na produtividade reduz a oferta de produtos e serviços no mercado doméstico, forçando uma alta nos preços. O aumento da inflação reflete também a valorização do dólar, porque diversas mercadorias possuem preços afetados direta ou indiretamente pelas cotações internacionais. O governo, para evitar uma alta mais intensa nos reajustes, criou mais um improviso na política econômica ao pedir a governadores e prefeitos dos maiores estados e capitais do país que adiem os reajustes previstos nas tarifas dos transportes públicos. Nesse sentido, a Petrobras foi obrigada a postergar o aumento da gasolina e do diesel.
Na tentativa de inflar o PIB, o governo deu estímulos ao crédito e ao consumo. Mas, como as pessoas estão mais endividadas e a inadimplência subiu, os bancos privados restringiram os financiamentos. A maior parte do aumento na concessão de crédito saiu dos cofres dos bancos públicos. A Caixa Econômica, o Banco do Brasil e o BNDES liberaram mais de 240 bilhões de reais no ano passado, ou 70% do crédito novo que entrou na economia. O risco, como já ocorreu em um passado não tão distante, é esses empréstimos se acumularem em uma montanha de inadimplência e créditos podres. Além disso, pouco ajuda o governo estimular ainda mais a demanda, quando as restrições ao crescimento se concentram no lado da oferta – ou seja no setor produtivo.
Ao dar estímulos ao consumo em uma economia com restrições na produção, o governo contribuiu para aumentar a inflação e as importações. Há pelo menos um ano, um bom time de economistas já havia diagnosticado o equivoco nessa política. A novidade é que, agora, até mesmo os economistas mais próximos do governo compartilham dessa análise. O mais notório deles é o ex-ministro Delfim Netto, que comparou a inflação a um radiador. Em uma simplificação da metáfora usada por Delfim, quando se tenta acelerar o motor da economia acima de sua capacidade produtiva, o corolário é a inflação. O radiador fica aquecido, mas pouco se sai do lugar. Outro economista próximo ao Planalto, Luiz Gonzaga Belluzzo, que deu aulas à presidente Dilma Rousseff na Unicamp, faz uma análise semelhante. “O efeito do consumo sobre o crescimento se esgotou por causa do endividamento das famílias e do risco de crédito que se acumulou nos bancos”, afirma. O Banco Central parece ter chegado à mesma conclusão. Na semana passada, o BC sinalizou que não deverá reduzir a sua taxa básica, a Selic, atualmente em 7,25% ao ano. Disse o BC, na ata de sua última reunião: “O ritmo de recuperação da atividade doméstica, menos intenso do que se antecipava, deve-se essencialmente a limitações no campo da oferta”.
A conclusão unânime é que a aceleração do PIB dependerá dos investimentos, tanto públicos como privados, em infraestrutura e também na capacidade produtiva. “Temos um problema de execução, porque existem projetos e dinheiro”, afirma Belluzzo. Segundo Alexandre Marinis, da consultoria Mosaico Economia Política, a demora na privatização de rodovias e aeroportos, por exemplo, teve um impacto negativo. Mas os juros historicamente baixos, juntamente com a melhora na economia internacional, deverão contribuir para a recuperação do investimento privado. Diz Marinis: “Há uma década, a taxa real de juros, ou seja, descontada a inflação, era de 13% ao ano. Hoje, ela é de 2%. Projetos antes inviáveis começarão a sair do papel”. Para o economista Mário Torós, sócio da Ibiúna Investimentos e ex-diretor do BC, o país ainda patina. “As ações do governo são pautadas essencialmente pelo improviso, como o controle do preço dos combustíveis. Falta um arcabouço mais sólido para incentivar a produtividade”, afirma Torós. “Os investimentos dependem da confiança dos empresários nas perspectivas para o país. No atual cenário, é difícil imaginar que o Brasil possa crescer, a longo prazo, a um ritmo superior a 3,5%. Deveremos conviver por algum tempo com uma taxa de expansão do PIB abaixo da ideal e uma taxa de inflação acima da ideal”.
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